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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Feriado de mim mesmo - Santiago Nazarian



O principal mérito do recém-lançado terceiro livro de Santiago Nazarian, Feriado de mim mesmo, talvez seja o fato de que sua linguagem é clara, o enredo linear, a história simples – se bem que há um “mistério” que mantém a trama até praticamente o final. Num mundo em que os autores a cada dia parecem se distanciar mais do público leitor, criando tramas mirabolantes e sofisticadíssimas, cheias de referências em vários níveis para “iniciados”, o melhor seria não desprezar essas qualidades. No livro Como e por que ler o romance brasileiro, Marisa Lajolo, estudiosa de literatura, comenta sobre o romance enquanto gênero:
nascido da transformação de outras formas literárias, ele começou plebeu e democrático. Trouxe para os livros a vida doméstica cotidiana, amores e problemas com os quais os leitores podiam se identificar. Nasceu representando a vida de pessoas comuns, parecidas com a de seus leitores. Por isso ele democratizou e popularizou a leitura e, com ela, a literatura. (...) Quando no mundo havia nobres e escravos, escravos e nobres apareciam nas suas páginas. Hoje, quando se viaja de avião, se usa a Internet e casamentos podem dissolver-se, divórcios, e-mails e aeroportos figuram nos enredos.
Em Feriado de mim mesmo o personagem principal é um tradutor solitário que trabalha em casa, seu contato com o mundo quase se resume aos e-mails via internet, mora num prédio classe média e não sente o menor prazer na convivência com outras pessoas (como se vê, a vida de uma pessoa comum desse início de século). Aliás, a maioria dos seus conhecidos – inclusive seus pais – se mudou para a Argentina. Por não ter um emprego tipo “nove às cinco” sua vida segue um ritmo mais “natural”: ele dorme, come e levanta-se a hora em que seu corpo lhe diz para fazê-lo. O apartamento onde mora é o único espaço onde se desenrola a ação: somos levados a observar minuciosamente a vida do personagem principal que, por sinal, é praticamente o único personagem durante boa parte do desenrolar da história: ele observa os funcionários do Inmetro pela janela, prepara a comida, ouve os outros moradores em seus apartamentos, vai ao banheiro (a imagem constante é a de que “pinga”; nunca urina ou mija), tenta matar uma barata. Aos poucos essas cenas de uma vida minúscula são substituídas por uma inquietação: recebe telefonemas procurando outra pessoa; mudanças vão ocorrendo em seu apartamento, uma escova de dentes que não é a sua aparece na pica do banheiro, a comida na geladeira vai sumindo, arquivos estranhos aparecem em seu computador. A desconfiança instala-se: há um invasor, alguém que está brincando com ele, que aparece e desaparece e tem livre-acesso ao seu apartamento. Quem será? Há realmente um invasor ou tudo não passa de loucura, esquizofrenia?
A trama do livro vai se sustentando com esses pormenores, a linguagem nunca é cansativa ou vazia. A tensão instala-se, pois sucessivas hipóteses são apresentadas e descartadas. O leitor, que momentos antes pode jurar estar próximo da solução do mistério, volta à estaca zero. O interesse aumenta.

Nas 157 páginas do romance, o leitor jamais entedia-se ou se irrita. Tudo é muito plausível, e a narrativa linear acaba por ajudar o clima de estranheza que vai tomando conta do enredo. As frases de Nazarian são claras, diretas, os capítulos bem encadeados. Até a solução final, que pode pegar a maioria dos leitores de surpresa.
Santiago Nazarian, repito, não é um amador. Sabe o que está fazendo. E isso, quando tanta gente despreparada escreve e publica livros devido às facilidades da tecnologia, também é algo a se elogiar. O livro tem uma bela capa (a foto é da mão ensanguentada do próprio autor), porém peca às vezes na revisão. Há um ou outro deslize imperdoável para o nível da editora Planeta. Uma segunda edição mereceria revisão mais atenta. Nada, porém, que apague o brilho da bela narrativa de Nazarian.

Trecho:
Ele pensava nisso, observava o pátio e o sol se pondo, quando sentiu um arrepio. Como um beijo na nuca. Uma mão em seu pescoço. Também não era para tanto, o invasor já abusava da intimidade. Se virou e não havia ninguém lá. Se virou e não havia ninguém. Sua nuca continuava arrepiada. O beijo continuava ardendo. Mas não via nada. Não via nada. O invasor deveria se achar um fantasminha camarada.
O problema é se a resposta nunca surgisse. Se tudo aquilo fosse loucura, o melhor que ele poderia fazer era sair de casa. Quanto mais tempo ficasse ali, mais alimentaria seu delírio e mais difícil seria descobrir a verdade. Se fosse realmente uma invasão, teria de ser confirmada. Mas e se fosse uma verdadeira ameaça? Um louco, um psicótico, um demônio? Ele teria de descobrir pagando com sua própria vida.
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Anota aí:
Feriado de mim mesmo – Santiago Nazarian.
Ed. Planeta.
157 págs.
R$32,00
http://www.santiagonazarian.blogspot.com